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Como vai a regulamentação da Inteligência Artificial no Brasil?

Especial «Inteligência Artificial 2024» — Parte 3, de 3. «Como vai a regulamentação da Inteligência Artificial no Brasil?».

Por Thiago Pereira, com a
colaboração de Mauricio Neto.


Legale, n. 902.
 
Depois de abordar, neste artigo, a urgência da regulamentação da Inteligência Artificial e seus desafios (1ª parte), e a solução legislativa histórica (EU AI Act) da União Europeia (2ª parte), o que já sabemos a respeito do processo da regulamentação das IAs no Brasil?
 
Nossa equipe levantou, no Senado e na Câmara dos Deputados, no início deste ano (2024), 46 Projetos de Lei relacionados, de alguma maneira, com o tema da «Inteligência Artificial».
 
Em muitos casos, esses Projetos de Lei lidam com temas bastante semelhantes e até relacionáveis uns com os outros, o que demonstra que as preocupações da sociedade se concentram, em boa parte, sobre os mesmos problemas: a manipulação de ferramentas de IA para criar vídeos e / ou áudios com o objetivo de cometer crimes (deepfakes); a ausência de sanções específicas para crimes cometidos com uso de IA; a necessidade de impor limites ao uso dos sistemas de identificação biométrica; a responsabilização de pessoas e empresas pelo uso indevido desses recursos; a proteção dos direitos autorais etc.
 
É válido destacar, o Brasil já possui legislações locais e pontuais a respeito. Porém, ainda falta uma base legal federal consolidando conceitos, estabelecendo princípios, classificando os riscos, tudo de maneira sistematizada.
 
No Ceará, por exemplo, a Lei n. 17.611, de 2021, exige supervisão humana na utilização da IA, reconhecendo a importância do controle humano a fim de evitar abusos ou erros. Em Alagoas, a Lei n. 9.095, de 2023, propõe diretrizes para o uso da IA pela administração pública. O projeto estabelece critérios que devem ser seguidos para garantir um ecossistema ético e transparente, a fim de evitar a tomada de decisões discriminatórias ou prejudiciais.
 
Já no âmbito Federal, os projetos mais antigos datam de 2019 como, por exemplo, o Projeto de Lei n. 5.051, de 2019, que visa estabelecer os princípios para o uso da Inteligência Artificial no Brasil; e o Projeto de Lei n. 5.691, de 2019, que propõe a criação de uma «Política Nacional de Inteligência Artificial», ambos do Senado Federal.
 
Inúmeros outros projetos foram apresentados desde então.
 
Destacam-se, entre eles, o Projeto de Lei n. 21, de 2020, de autoria do senador Eduardo Bismarck, e o Projeto de Lei n. 872, de 2021, de autoria do senador Eduardo Gomes.
 
O Projeto de Lei n. 21, de 2020, se apresentou desde o início como o projeto mais robusto de todos, o que lhe conferiu especial relevância. Aprovado na Câmara dos Deputados em «regime de urgência», este projeto tinha como escopo estabelecer os princípios, direitos e deveres para o uso responsável das inteligências artificiais no Brasil de maneira bem ampla.
 
A partir deste PL, as discussões sobre o tema se intensificaram.
 
 
Projeto de Lei n. 2.338, de 2023
 
Devido as diversas críticas pela forma célere com que o Projeto de Lei n. 21, de 2020, estava avançando na Câmara dos Deputados, sem a escuta ativa dos Setores Econômicos interessados, dos principais players desse mercado e da Sociedade Civil organizada, foi instaurado pelo Senado Federal, no dia 30 de março de 2022, uma Comissão de Juristas responsável por elaborar uma minuta de Projeto de Lei acompanhada por diversos estudos, a fim de subsidiar a elaboração de um Projeto de Lei mais maduro e mais amplamente refletido.
 
Também foi instaurada pelo Senado, poucos meses depois, a «Comissão Temporária Interna sobre Inteligência Artificial», com o objetivo de examinar e aprimorar a minuta produzida pela Comissão de Juristas, acolher as dezenas de propostas de emendas dos Senadores e presidir as audiências publicas para ouvir especialistas e instituições interessadas.
 
A conexão de tantos colaboradores culminou na elaboração do Projeto de Lei n. 2.338, de 2023, também conhecido como «Marco Legal da Inteligência Artificial».
 
Marco Legal da Inteligência Artificial: ordem cronológica do processo legislativo.
Classificação de Risco
 
Refém de um conturbado processo legislativo, com inúmeras interrupções, adiamentos e revisões, o PL n. 2.338, de 2023, segue, até agora, como o projeto mais robusto e promissor — com influência direta da Lei da Inteligência Artificial da União Europeia (EU AI Act).
 
[A experiência da União Europeia entorno da elaboração do EU AI Act é aprofundada na Parte 2 deste artigo, publicado no último dia 19 de julho.]
 
Assim como no AI Act, o Projeto de Lei n. 2.338, de 2023, tem como base a classificação das Inteligências Artificiais segundo o seu grau de risco:
 
As IAs de alto risco ou de risco excessivo (e, portanto, inaceitáveis), são as IAs que podem explorar as vulnerabilidades das pessoas por meio da manipulação subliminar de seus comportamentos usando como gatilho, por exemplo, a precariedade da situação econômica, a fragilidade da estrutura familiar, os limites da capacidade física e o estado de saúde mental. Também estão proibidas as IAs que deduzem ou inferem o «valor» ou a «utilidade» das pessoas, categorizando-as com base em expressões de gênero, etnia, posição política, experiência religiosa, características fenotípicas (aparência), padrões de comportamento em compras on-line, interações em mídias sociais e outras variáveis, a fim de selecionar novos empregados, conceder ou bloquear créditos etc.
 
Também são de risco excessivo as IAs capazes de manipulação subliminar e que podem literalmente mudar o comportamento de uma pessoa sem que ela tenha consciência disso como, por exemplo, sistemas desenvolvidos para influenciar as pessoas a votarem em um determinado candidato; as IAs que fazem policiamento preditivo, avaliando o risco de pessoas cometerem um crime no futuro com base em suas características pessoais, as IAs que avaliam o estado emocional das pessoas no local de trabalho, nas escolas e outros espaços reservados
 
São de alto risco as IAs de diagnóstico médico, equipamentos e sistemas de segurança militar, sistemas de distribuição de energia, sistemas de transportes, sistemas de tráfego aéreo, sistemas usados em setores críticos, como telecomunicações, finanças e educação, e vários outros que podem afetar negativamente a saúde e a segurança das pessoas, seus direitos fundamentais ou o meio ambiente, se não forem submetidos a uma regulamentação rigorosa.
 
São de risco moderado ou baixo, por exemplo, as IAs que podem comunicar dados falsos, incorretos ou enganosos como os chatbots das IAs generativas e as demais IAs que não forem enquadradas nas classificações anteriores.
 
Antes de sua introdução no mercado, os sistemas de IA deverão passar por uma avaliação do se grau de risco. As IAs de alto risco deverão passar por uma avaliação de impacto algorítmico (análise de risco aos direitos fundamentais e apresentação de medidas preventivas), registros de operações realizadas e testes de confiabilidade.
 
Além da classificação de risco, outros pontos do PL 2.338, de 2023, também merecem atenção, como por exemplo, a Responsabilização Civil.
 
Um dos tópicos mais sensíveis da regulamentação, a Responsabilização Civil possui um capítulo próprio e já passou por diversas alterações. A redação atual do Marco Legal da IA prevê a responsabilização civil do fornecedor ou operador de tais sistemas. Basicamente, imputa-se àqueles sistemas que gerarem danos as mesmas regras previstas no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor. Para os sistemas de alto risco, a responsabilidade civil é objetiva na medida de sua participação do dano, ou seja, sem necessidade de comprovação de culpa, bastando apenas o nexo de causalidade. Já para os demais casos, a culpa será presumida, aplicando-se a inversão do ônus da prova em favor da vítima.
 
O PL 2.338, de 2023, prevê a criação do «Sistema Nacional de Regulação e Governança de Inteligência Artificial», um ecossistema regulatório formado por um conjunto de órgãos com objetivo de implementar e fiscalizar o cumprimento da lei, assim como valorizar e reforçar as competências das autoridades setoriais e de harmonizá-las com aquelas da autoridade central competente.
 
Segundo o Projeto de Lei n. 2.338, de 2023, o «Sistema Nacional de Regulação e Governança de Inteligência Artificial» deve ser composto:
 
(a) pela autoridade responsável por coordenar o Sistema Nacional de Regulação e Governança de Inteligência Artificial e por representar o Brasil perante organismos internacionais de inteligência artificial;
 
(b) pelas autoridades setoriais, responsáveis pela regulação de setores específicos;
 
(c) pelo Conselho de Cooperação Regulatória de Inteligência Artificial, órgão responsável pela produção de diretrizes e por intermediar a comunicação entre os diversos setores; e
 
(d) pelo Comitê de Especialistas e Cientistas de Inteligência Artificial, com objetivo de orientar e supervisionar tecnicamente o desenvolvimento e aplicação das IAs de forma responsável.
 
A respeito de quem deveria ser a autoridade institucional sobre todo o «Sistema Nacional de Regulação e Governança de Inteligência Artificial», o senador Eduardo Gomes (relator) propôs, em seu mais recente relatório, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD).
 
Havendo infração às normas previstas na regulação, os agentes de IA (desenvolvedores, distribuidores e aplicadores que atuem na cadeia de valor e na governança interna de sistemas de inteligência artificial) estarão sujeitos a sanções administrativas que podem variar de advertência à multa simples, limitada a 50 milhões de reais por infração, sendo, no caso de pessoa jurídica de direito privado, limitada a 2% do faturamento bruto do ano anterior, de seu grupo ou conglomerado no Brasil.
 
Além das multas, os agentes infratores estarão sujeitos, ainda, à publicização da infração, proibição de participação de regime de sandbox regulatório (ambiente regulatório experimental) por até 5 anos, bem como suspensão, total ou parcial, temporária ou definitiva, do desenvolvimento, fornecimento ou operação do sistema de IA.
 
A aplicação de quaisquer das penalidades previstas não exclui a obrigação de reparação integral dos danos causados.
 
Vale ressaltar, a redação do PL 2.338, segue passando por novas revisões, ajustes e emendas, de modo que até o momento da efetiva aprovação no Congresso, sanção presidencial e publicação, o texto será (muito provavelmente) ainda mais modificado.
 
Especial «Inteligência Artificial 2024» — Parte 3, de 3. «Como vai a regulamentação das Inteligências Artificiais no Brasil?».
 
 

Leia a Parte 1, de 3, deste Artigo: «Inteligência Artificial: Regulamentar o Imprevisível». Publicado neste portal, no dia 6 de julho. Legale, n. 896. Clique aqui.
 
Leia a Parte 2, de 3, deste Artigo: «Regulamentação da Inteligência Artificial da União Europeia já é uma referência». Publicado neste portal, no dia 26 de agosto. Legale, n. 899. Clique aqui.
 
 
 

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