Painel completo a respeito do período de transição entre a 8.666 e a 14.133, os efeitos imediatos da lei nova, as inovações, os principais dispositivos contratuais, o ambiente de negócios e o meio ambiente.
Por Julhi Bonespírito.
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Legale, n. 723.
A seguir, um painel didático para introduzir líderes de negócios e investidores nacionais e estrangeiros no tema das licitações e dos contratos com a Administração Pública no Brasil. Simples e direto.
a. Período de transição
A nova lei não afetará os contratos administrativos que tenham sido assinados antes do início de sua vigência. Além disso, está previsto um lapso de dois anos até que a nova lei se torne obrigatória. Com isso, no dia 1º de abril de 2023, estarão plenamente revogadas as Leis Federais 8.666 (1993), 10.520 (2002) e 12.462 (2011), respectivamente a Lei de Licitações e Contratos Administrativos, a Lei do Pregão e a Lei a respeito do Regime Diferenciado de Contratações.
b. Efeitos imediatos
Desde o dia 1º de abril e durante todo o período de transição, o Poder Público terá a opção de fazer licitações pela nova lei. Nesse período, nas licitações em que optar pela legislação atual, os contratos respectivos também permanecerão submetidos à legislação atual.
Estão imediatamente revogados os artigos da 8.666 (1993) que estabelecem crimes contra licitações e contratos administrativos. No lugar deles foi introduzido um novo capítulo na Parte Especial do Código Penal estabelecendo os crimes em licitações e contratos administrativos. Esses artigos já estão plenamente vigentes e aplicam-se, em conformidade às regras do Código Penal, às condutas praticadas a partir da publicação da nova lei.
c. Fonte subsidiária para outras leis
A nova lei de licitações 14.133 (2021) ocupará a mesma posição que a antiga (8.666/1993) como fonte subsidiária para todo o ordenamento jurídico no que diz respeito às formas do Estado escolher, contratar e gerir seus prestadores de serviços e fornecedores de suprimentos. Isso inclui sua projeção sobre as leis 8.987 (1995), 11.079 (2004) e 12.232 (2010), respectivamente a Lei de Concessões de Serviços Públicos, a Lei das Parcerias Público-Privadas e a Lei sobre Contratação de Serviços de Publicidade. Não é aplicável, porém, a toda a Administração Pública. Seu raio compreende:
/ a União Federal, os Estados, o DF e os Municípios (administração direta);
/ as autarquias e fundações;
/ os órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, quando no desempenho de função administrativa; e
/ os fundos especiais e outras entidades controladas direta ou indiretamente pela Administração Pública, com exceção das empresas públicas, das sociedades de economia mista e suas subsidiárias, não submetidas nem antes (8.666/1993) e nem agora (14.133/2021) à lei geral. Elas seguirão regidas pela Lei das Estatais (13.303/2016) e por seus respectivos regulamentos internos, mas serão ― sim ― afetadas pela nova lei se a conduta de seus representantes se conformar com as condutas agora previstas como crimes.
d. Inovações nos processos licitatórios
d.1. A inversão de fases passa a ser a regra
A apresentação de propostas e lances antes da fase de avaliação da habilitação passa a ser a regra. Na fase de habilitação, se previsto em edital, poderá abranger a homologação de amostras e a realização de prova de conceito em relação ao licitante identificado ainda provisoriamente como vencedor.
d.2. Novas proibições para participação em licitações
A nova lei amplia as vedações à participação, em uma mesma licitação, de controladoras, controladas e coligadas concorrendo entre si.
d.3. A forma eletrônica será utilizada de maneira preferencial
As sessões públicas serão registradas em atas digitais e gravadas em áudio e vídeo. Licitações presenciais poderão ser realizadas excepcionalmente, se justificadas por decisões motivadas.
d.4. As 5 modalidades de licitação
As cinco modalidades previstas pela nova lei são pregão, concorrência, concurso, leilão e diálogo competitivo. Estão vedadas a criação de novas modalidades e a combinação das modalidades existentes. O pregão deve ser utilizado, via de regra, nas hipóteses em que o objeto possuir padrões de desempenho e qualidade que possam ser objetivamente definidos pelo edital por meio de especificações usuais de mercado. Estão eliminadas as modalidades convite e tomada de preços.
d.4.1. Criação do «diálogo competitivo»
O «diálogo competitivo» passa a integrar o rol de modalidades de licitação, mas é restrito às contratações que (d.4.1.1.) envolvam inovação tecnológica ou técnica; (d.4.1.2.) atendam a necessidade da Administração que não possa ser satisfeita sem a adaptação de soluções disponíveis no mercado; e (d.4.1.3.) envolvam especificações técnicas que não possam ser definidas, com precisão suficiente, apenas pela Administração.
d.4.2. Duas fases do «diálogo competitivo»
(d.4.2.1.) Na primeira, a Administração deverá apresentar suas necessidades e exigências por meio da divulgação de edital em website oficial pelo prazo mínimo de 25 dias úteis, com a fixação de requisitos objetivos. Todos que atenderem os requisitos e manifestem interesse serão admitidos. A Administração passará a dialogar com os agentes privados a respeito das soluções disponíveis, até que seja identificada a mais adequada à sua necessidade.
(d.4.2.2.) Na segunda fase, encerrado o «diálogo», a Administração publicará novo edital com:
/ a especificação da solução adotada;
/ a indicação dos critérios objetivos para a seleção da proposta mais vantajosa; e
/ a fixação do prazo, não inferior a 60 dias úteis para que os licitantes que haviam sido pré-selecionados no início da fase de diálogo apresentem suas propostas de execução.
e. Dispositivos contratuais
e.1. Garantia de performance
Em obras e serviços de engenharia, o edital pode exigir (e.1.1.) que a garantia seja prestada na modalidade «seguro-garantia» e que (e.1.2.) a seguradora tenha a obrigação de assumir a execução do contrato na hipótese de inadimplemento do contratado. Caso a seguradora assuma o contrato e conclua seu objeto, ela ficará dispensada de pagar a importância indicada na apólice. Caso não o faça, deverá pagar a integralidade da quantia afiançada.
e.2. Matriz de riscos e equilíbrio econômico-financeiro
Os contratos poderão contemplar o acerto de uma matriz de riscos, com a indicação expressa (e.2.1.) dos riscos previstos e presumíveis; e (e.2.2.) de quais riscos (e.2.2.1.) caberão ao contratante, (e.2.2.1.) caberão ao contratado, e (e.2.2.1.) serão compartilhados. Serão critérios para a alocação dos riscos a capacidade dos envolvidos para gerenciá-los e a correspondência entre a natureza das obrigações e a natureza dos setores (público ou privado), parte à parte. Nos casos em que houver matriz de riscos, ela definirá o equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato em relação a eventos supervenientes.
e.3. Novas espécies contratuais
Ficam previstos o «contrato de eficiência», em que o contratado é remunerado com base em um percentual sobre a economia gerada à Administração e o «contrato de fornecimento e prestação de serviço associado», destinado aos cenários nos quais o fornecedor do bem será o responsável por sua operação e ou manutenção.
e.4. «Poderes exorbitantes» e respeito às cláusulas econômico-financeiras e monetárias
Como na 8.666 (1993), a 14.133 (2021) também prevê os «poderes exorbitantes» em favor da Administração Pública, incluindo os de aplicar sanções motivadas pela inexecução total ou parcial do ajuste, os de modificar os termos do contrato e os de extingui-lo. Em contraponto, para a proteção dos particulares, permanece a previsão de que as cláusulas econômico-financeiras e monetárias dos contratos «não poderão ser alteradas sem prévia concordância do contratado».
e.5. Prazos de duração e condições de extinção
O Poder Público poderá celebrar contratos com até 5 anos de vigência nas hipóteses de serviços e fornecimentos contínuos, desde que, no início de cada contratação e de cada exercício financeiro, sejam atestadas (e.5.1.) a existência de créditos orçamentários vinculados à contratação e (e.5.2.) a vantagem de sua manutenção. Asseguradas essas condições, e desde que haja previsão em edital, tais contratos poderão ser prorrogados até um máximo de 10 anos. Prazos especiais serão aplicados para «contratos de eficiência» e para «contratos de fornecimento e prestação de serviço associado».
e.6. Responsabilidade do contratado
Diferente da 8.666 (1993), o contratado será responsabilizado pelos danos causados diretamente à Administração ou a terceiros «em razão da execução do contrato». Com isso, deixa de ser relevante a investigação da culpa ou dolo da conduta dos contratados para estabelecer uma medida de dever de indenizar — passando a importar apenas se (e.6.1.) os danos foram causados e se o foram (e.6.2.) em razão da execução do contrato.
f. Contratação e execução contratual
f.1. Editais e contratos serão centralizados no «Portal Nacional de Contratações Públicas»
Os contratos terão eficácia a partir de sua assinatura, mas deverão ser publicados no portal dentro de certos prazos sob pena de nulidade: 20 dias úteis, no caso de licitação; e 10 dias úteis, no caso de contratação direta.
f.2. Suspensão ou declaração da nulidade de um contrato
Mesmo se constatada a irregularidade no procedimento licitatório ou na execução contratual, a suspensão ou anulação do contrato será determinada apenas se (f.2.1.) não for possível o saneamento da irregularidade e se (f.2.2.), avaliada por seus «efeitos», a irregularidade suplantar o «interesse público». Em tal «avaliação de efeitos», o Poder Público deverá considerar, por exemplo:
(f.2.2.1.) os «impactos econômicos e financeiros decorrentes do atraso na fruição dos benefícios do objeto do contrato»;
(f.2.2.2.) os «riscos sociais, ambientais e à segurança da população local decorrentes do atraso na fruição dos benefícios do objeto do contrato»;
(f.2.2.3.) o «custo da deterioração ou da perda das parcelas executadas»;
(f.2.2.4.) o «custo para realização de nova licitação ou celebração de novo contrato»; e
(f.2.2.5.) o «custo de oportunidade do capital durante o período de paralisação».
Nesse sentido, a 14.133 (2021) pretende convergir com o artigo 20 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) que estabelece a necessidade de considerar as consequências práticas de quaisquer decisões judiciais ou administrativas, de tal modo que, mesmo em casos de anulação, deve haver a demonstração da «necessidade e da adequação» de tal medida, inclusive em face das «possíveis alternativas».
f.3. Prazos do Tribunal de Contas
Nos casos em que o Tribunal de Contas suspender a licitação, deverá apresentar seu juízo sobre os motivos que levaram a suspensão dentro de 25 dias úteis contados a partir do recebimento das informações que lhe forem prestadas pelo responsável pela licitação. Se necessário, tal prazo de manifestação poderá ser prorrogado, por igual período, uma única vez.
f.4. Meios alternativos de resolução de conflitos
Em todos os contratos submissos à nova lei de licitações 14.133 (2021), poderão ser utilizados os meios alternativos de prevenção e resolução de disputas, como por exemplo, a conciliação, a mediação, os comitês de resolução de disputas e a arbitragem. Estes meios poderão versar apenas sobre controvérsias relacionadas a direitos patrimoniais disponíveis, como a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, o inadimplemento de obrigações contratuais e o cálculo de eventuais indenizações. Mesmo quando o instrumento convocatório não contiver previsão nesse sentido, os contratos poderão ser aditados para permitir às partes a adoção dos meios alternativos de resolução de conflitos.
f.5. Corrupção
Se uma mesma conduta for classificável como «infração administrativa» (14.133/2021) e como «ato lesivo à Administração», segundo os termos da Lei Anticorrupção (12.846/2013), a apuração e o julgamento dessas violações serão feitos de maneira conjunta. Nesses casos, serão observados o procedimento e as regras de competência estabelecidas pela Lei Anticorrupção. A implantação ou o aperfeiçoamento de programa de integridade será considerada circunstância que poderá levar a redução de pena.
f.6. Severidade das penas
A nova lei endureceu as respostas penais por meio de crimes mais específicos e penas mais severas, agravando consideravelmente as penas privativas de liberdade. Os delitos de «frustração do caráter competitivo de licitação» e de «modificação ou pagamento irregular em contrato administrativo», por exemplo, tiveram as penas mínimas e máximas dobradas. A nova lei suprimiu o teto das multas deixando a critério do julgador a fixação. Os novos tipos criminais e as sanções mais graves se aplicarão apenas às infrações cometidas depois de 1º de abril de 201.
g. Meio Ambiente
g.1. O «desenvolvimento nacional sustentável» passa a ser não apenas um um dos princípios que deverão ser observados na aplicação da legislação sobre licitações (artigo 5º da 14.133/2021), mas um dos objetivos do próprio processo licitatório (artigo 11, inciso iv).
g.2. Os impactos ambientais, considerados pela nova lei como «potencial custo indireto», serão avaliados no julgamento das propostas sempre que mensurável. Esse racional vale até mesmo para os processos cujo critério seja o menor preço ou o maior desconto. Além disso, os processos poderão estabelecer uma margem de preferência, nos termos da Lei, para bens reciclados, recicláveis ou biodegradáveis.
g.3. A Administração deverá descrever os possíveis impactos ambientais da solução que se pretende contratar, por meio de estudo técnico. O estudo deve incluir requisitos a respeito de consumo de energia, recursos naturais, mapeamento de processo de logística reversa de bens e resíduos pós-consumo, etc.
g.4. O edital de licitação poderá prever a responsabilidade do contratado pela obtenção do licenciamento ambiental. Aliás, os licenciamentos ambientais de obras e serviços de engenharia licitados e contratados com base na nova lei terão prioridade de tramitação nos órgãos ambientais competentes. O atraso na obtenção da licença ambiental e a impossibilidade de obtê-la passam a ser considerados motivos para extinção do contrato.
g.5. A remuneração variável na contratação de obras, fornecimento de suprimentos e serviços poderá ser vinculada a critérios de sustentabilidade ambiental.
Todas as frentes de operação do escritório estão prontas para responder aos nossos clientes a respeito dos detalhes da nova lei de licitações e contratos administrativos e interpretar sua melhor aplicação aos casos em concreto.
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