Alterações no Código de Defesa do Consumidor promovem um novo paradigma para a concessão de crédito, baseado na boa-fé e na responsabilidade.
Por Julhi Bonespírito.
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Legale, n. 742.
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Conhecido como um mercado baseado na exploração das fragilidades dos endividados, aposentados e pensionistas, o necessário ― e altamente competitivo ― mercado popular de crédito nunca gozou de boa fama.
Porém, a sucessão das crises de 2008 e 2014 e, agora, mais gravemente, a retração econômica causada pela pandemia de Covid-19, acumularam uma massa de superendividados sem precedentes. Em resumo, o superendividamento e a exploração que o retroalimenta se tornou um obstáculo importante à retomada da economia, e a parte do mercado que não se beneficia com o endividamento, os legisladores e instituições de proteção dos interesses dos consumidores trabalharam consistentemente nos últimos meses para reparar as fissuras do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e do Estatuto do Idoso, por meio da recém sancionada Lei n. 14.181 (2021), que tem por objetivo aperfeiçoar a disciplina do crédito ao consumidor e dispor sobre a prevenção e o tratamento do superendividamento.
O que foi aprovado com a Lei 14.181
A lei, que entre outros pontos, cria instrumentos para conter abusos na oferta de crédito a idosos e vulneráveis, considera superendividamento a «impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial».
Entre as medidas mais significativas, a «Lei do Superendividamento»:
(a) Torna direito básico do consumidor a garantia de práticas de crédito responsável, de educação financeira e de prevenção e tratamento de situações de superendividamento, preservado o mínimo existencial;
(b) Torna nula cláusulas contratuais de produtos ou serviços que limitem o acesso ao Poder Judiciário ou impeçam o restabelecimento integral dos direitos do consumidor e de seus meios de pagamento, depois da quitação de juros de mora ou de acordo com os credores;
(c) Obriga bancos, financiadoras e empresas que vendem a prazo, informar ao consumidor o custo efetivo total, a taxa mensal efetiva de juros, juros de mora e a lista completa de encargos em caso de atraso, o total de prestações e o direito de antecipar o pagamento da dívida ou parcelamento sem novos encargos;
(d) Obriga, também, que as ofertas de empréstimo ou de venda a prazo informem a soma total a pagar, com e sem financiamento;
(e) Proíbe propagandas de empréstimos do tipo «sem consulta ao SPC» ou sem avaliação da situação financeira do consumidor;
(f) Proíbe o assédio ou a pressão sobre consumidor para contratar o fornecimento de produto, serviço ou crédito, principalmente em caso de idosos, analfabetos, doentes ou em estado de vulnerabilidade;
(g) Permite que o consumidor informe à administradora do cartão crédito, com dez dias de antecedência do vencimento da fatura, sobre determinada parcela em disputa com o fornecedor, de tal modo que não possa ser cobrada enquanto não houver uma solução para a disputa;
(h) A instituição de mecanismos de prevenção e tratamento extrajudicial e judicial do superendividamento, por meio de núcleos de conciliação e mediação de conflitos relacionados ao superendividamento;
(i) A determinação de diretrizes de comunicação a respeito da natureza e da modalidade do crédito oferecido, considerando a idade do consumidor, etc.
Conciliação no superendividamento
A Lei do Superendividamento criou um capítulo dedicado à conciliação. De acordo com a sistemática proposta, o consumidor superendividado poderá requerer a instauração de processo de repactuação de dívidas, cabendo-lhe apresentar uma proposta de plano de pagamento, preservado o mínimo existencial. O não-comparecimento injustificado do credor ou de seu procurador à audiência de conciliação poderá suspender a exigibilidade do crédito, com a interrupção dos encargos da mora.
No caso de conciliação, a sentença judicial que homologar o acordo descreverá o plano de pagamento da dívida e terá eficácia de título executivo e força de coisa julgada. O pedido de repactuação de dívidas poderá ser repetido somente após 2 anos, contados da liquidação das obrigações previstas no plano de pagamento.
No caso de conciliação infrutífera, o juiz, a pedido do consumidor, instaurará processo por superendividamento para revisão e integração dos contratos e repactuação das dívidas remanescentes, mediante plano judicial compulsório.
Os vetos presidenciais
O Presidente da República vetou:
/ A previsão de nulidade das cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de serviços e produtos que ensejassem a aplicação de lei estrangeira que limitasse, total ou parcialmente, a proteção assegurada pelo CDC;
/ A vedação, na publicidade, às referências expressas ou implícitas de crédito «sem juros», «gratuito», «sem acréscimo» ou com «taxa zero»;
/ A previsão de que nos contratos em que o modo de pagamento da dívida envolvesse autorização prévia do consumidor para consignação em folha de pagamento, a soma das parcelas reservadas para pagamento de dívidas não poderia ser superior a 5% do salário líquido para pagar dívidas com cartão de crédito e 30% para outros empréstimos consignados; e
/ A previsão de direito ao arrependimento em 7 dias na contratação de créditos.
Comissão de juristas
O projeto da Lei do Superendividamento (PL 3515/2015) foi elaborado inicialmente por uma comissão de juristas criada pelo Senado, e assinado pelo então presidente da Casa, os ex-presidente José Sarney.
A proposta (PL 3515/2015) foi aprovada na Câmara dos Deputados em maio, com base no parecer do relator, o deputado Franco Cartafina (PP-MG).
O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), que assessorou a tramitação do projeto, espera melhorias na fase de regulamentação, como políticas públicas capacitação dos técnicos das entidades do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC), padronização de processos, criação de novas base de dados e indicadores de impacto.
O Código de Defesa do Consumidor completou 30 anos no dia 10 de setembro de 2020.
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