Painel Tributário n. 69
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Especial: Transportadoras

Especial: Transportadoras. Um guia legal a respeito das cautelas essenciais para as empresas do setor, incluindo as novas exigências legais de seguro obrigatório.

Por Michelle Lima e Julhi Bonespírito.


Legale, n. 869.
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Necessário tanto para os principais tomadores de decisão de transportadores rodoviários de cargas quanto para os profissionais de logística, ― e muito útil até mesmo para os clientes desse Setor Econômico ―, o «Especial: Transportadoras» aborda as mais recentes modificações na legislação relacionada e as questões mais prementes do dia a dia do transporte de cargas: a responsabilidade civil dos transportadores, as novas modalidades de seguro obrigatório e uma série de alertas e recomendações. Denso, o material fala aos clientes Vaz de Almeida, como sempre, sem subestimá-los, acessível tanto aos especialistas quanto aos operadores que precisam permanecer atualizados.

 
1. Responsabilidade civil do transportador. Premissas básicas
 
A responsabilidade civil do transportador rodoviário de cargas é disciplinada, em linhas gerais, pelo Código Civil brasileiro e, ainda, por normas mais específicas, como é o caso da Lei n. 11.442, de 2007, com as alterações conferidas pela Lei n. 14.599, de 19 de junho de 2023, bem como da Resolução da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) n. 5.947 (2021), que dispõe sobre o transporte rodoviário de produtos perigosos.
 
Por força da lei, em caso de perda, avaria ou extravio da carga, o transportador deve responder objetivamente ― isto é, independentemente de culpa ―, pelos danos causados ao contratante. A exceção reside, de modo geral, nos casos de força maior, caso fortuito, factum principis (em vernáculo, «fato do príncipe», expressão usada para indicar uma intercorrência externa no contrato, decorrente de ato do Poder Público), vício próprio da coisa transportada ou culpa exclusiva da vítima (como é o caso de dano decorrente de acondiciona-mento inadequado pelo remetente).
 
Logo, em se tratando de transporte de mercadorias, incide não apenas a responsabilidade extracontratual ― aquela que a lei prevê ―, como também a responsabilidade contratual, que será regida pelo teor das cláusulas eventualmente pactuadas na contratação, a ensejar outras hipóteses de responsabilização do transportador. Porém, é sabido que a informalidade inerente a esse tipo de negociação acaba por se limitar a termos genéricos, ou complementações do conhecimento de transporte mediante meras trocas de e-mails ou contatos telefônicos que, em caso de intercorrências, podem prejudicar o transportador e lhe gerar maior grau de responsabilidade ― o que destaca a importância de uma consultoria para melhor direcionamento das diretrizes de contratação.
 
O ordenamento jurídico também estabelece o início e o fim do período de incidência da responsabilidade: ela começa com o recebimento da carga e termina com a sua entrega ao destinatário.
 
Quanto à limitação pecuniária da responsabilidade, tem-se que ela deve se ater ao valor atribuído à mercadoria pelo expedidor, que geralmente segue declarado na nota fiscal e no conhecimento de transporte.
 
 
2. Alterações legislativas e cautelas recomendadas
 
Adentrando nos precisos termos da Lei n. 11.442 (2007), os transportadores e seus subcontratados seriam então liberados de sua responsabilidade em razão de (i) «ato ou fato imputável ao expedidor ou ao destinatário da carga»; (ii) «inadequação da embalagem, quando imputável ao expedidor da carga»; (iii) «vício próprio ou oculto da carga»; (iv) «manuseio, embarque, estiva ou descarga executados diretamente pelo expedidor, destinatário ou consignatário da carga ou, ainda, pelos seus agentes ou prepostos»; (v) «força maior ou caso fortuito» e, ainda, (vi) «contratação de seguro pelo contratante do serviço de transporte» (RCTR-C).
 
Contudo, vale a ressalva de que a última hipótese versada está mais alinhada com a redação anterior do referido diploma legal, que previa expressamente que, quando o seguro obrigatório fosse firmado pelo contratante de serviços, estaria o transportador liberado de sua contratação. No entanto, não é mais esse o cenário configurado, conforme se passará a discorrer.
 
E mesmo à época, já havia entendimentos jurisprudenciais no sentido de que se estava a falar de isenção de contratação, mas não isenção de responsabilidade, uma vez que o direito de regresso da seguradora permanecia preservado, a par das disposições do Código Civil e da Constituição Federal, que garantem o direito à reparação integral do dano.
 
Cautelas recomendadas
Adentrando nas cautelas recomendadas, elas partem de «lugares comuns», tais como (a) zelar pela correta amarração e acondicionamento da carga, a fim de que ela esteja devidamente protegida, evitando prejuízos decorrentes de deslocamentos, tombamentos e danos durante o transporte; (b) realizar uma adequada sinalização do veículo (inclusive com a indicação de carga pesada ou perigosa), para evitar a perda ou avaria de mercadoria em razão de um acidente de trânsito, bem como; (c) recusar a coisa cuja embalagem seja inadequada, bem como a que possa pôr em risco a saúde das pessoas, ou danificar o veículo e outros bens.
 
Ademais disso, também é importante que o prestador de serviços de transporte se atente à escolha de rotas e horários menos perigosos, evitando que se compreenda pela colocação da carga em risco de eventuais atos delitivos.
 
Cautelas obrigatórias
Já no que diz respeito às cautelas obrigatórias, tem-se, de modo mais amplo, o dever de (i) recusar a coisa cujo transporte ou comercialização não sejam permitidos, ou que venha desacompanhada dos documentos exigidos por lei ou regulamento; (ii) manter a empresa transportadora regular com as suas licenças, alvarás, e com o Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Cargas (RNTRC), que deve ser renovado periodicamente; (iii) bem como proteger a carga com os seguros obrigatórios e eventuais coberturas complementares que possam ser contratadas a critério do transportador e do embarcador (proprietário da carga).
 
Sim. Se está a falar de seguros obrigatórios, no plural, e é essa a mais recente alteração legislativa que veio para impactar a dinâmica negocial nos contratos de transportes ― embora pouco ou quase nada tenha se falado do assunto.
 
Seguros
Trata-se das alterações trazidas pela Lei n. 14.599, de 2023, que entrou em vigor em 20 de junho de 2023, data da sua publicação. Ela passou a alterar, sobretudo, as estipulações sobre seguro que constavam na consolidada Lei n. 11.442 (2007), a qual conferia obrigatoriedade a um único tipo de seguro.
 
Até então, seguro obrigatório era sinônimo de RCTR-C (Responsabilidade Civil do Transportador Rodoviário de Carga), conhecido por cobrir, de forma exemplificativa, os custos derivados de acidentes como colisão, capotagem, abalroamento, tombamento, incêndio ou explosão.
 
A partir de 20 de junho, porém, passou a ser obrigatória a contratação, pelo transportador, de mais duas modalidades ― sendo uma delas já conhecida:
 

1ª. Seguro de Responsabilidade Civil – Desaparecimento de Carga (RC-DC): antes apenas previsto como «facultativo», e que tem por finalidade a cobertura de roubo, de furto simples ou qualificado, de apropriação indébita, de estelionato e de extorsão simples ou mediante sequestro sobrevindos à carga durante o transporte; e

2ª. Seguro de Responsabilidade Civil de Veículo (RC-V): novidade que se destina à cobertura de danos corporais e materiais causados a terceiros pelo veículo automotor utilizado no transporte rodoviário de cargas. Essa modalidade ainda carece de regulação pelo órgão competente.

 
Nesse ritmo de alterações, o legislador também estabeleceu um patamar mínimo de indenização de seguro, no montante de 35.000 DES (trinta e cinco mil direitos especiais de saque), sem, porém, estipular um patamar máximo para tal.
 
Plano de Gerenciamento de Riscos
O Plano de Gerenciamento de Riscos (PGR) também passou a se tornar obrigatório, devendo ser estabelecido de comum acordo entre o transportador e sua seguradora, com possibilidade de estipulações adicionais pelo contratante do serviço de transporte, que poderá exigir obrigações ou medidas complementares, arcando este com todos os custos e despesas inerentes a elas.
 
Vantagens
Além de tais disposições compulsórias, também é importante que o transportador considere as vantagens de contratar um seguro de carga adicional ― um plus que pode fazer a diferença no caso de outros tipos de intercorrências, como, por exemplo, é o caso do Seguro de Responsabilidade Civil do Transportador Rodoviário – Viagens Internacionais (RCTR-VI), exclusivo para o modal rodoviário em viagens internacionais e que cobre os mesmos custos previstos na modalidade nacional (RCTR-C), ou seja, aqueles derivados de acidentes como colisão, capotagem, abalroamento, tombamento, incêndio ou explosão. Ademais disso, há ainda a possibilidade de o próprio embarcador (proprietário da carga), contratar o Seguro Transporte Nacional.
 
 
3. Transporte de cargas perigosas
 
De outro lado, quando se está a falar de cargas perigosas, é importante que os transportadores disponham de apólices de seguro específicas para proteger contra riscos e responsabilidades potenciais, uma vez que correspondem a cargas com grande risco de contaminação, vazamento, explosão ou incêndio. Afinal, em caso de acidentes com esse tipo de carga, os impactos podem ser graves tanto aos envolvidos, como até mesmo ao meio ambiente.
 
Em primeiro lugar, é necessário que o transportador detenha uma licença especial para o manuseio e transporte. Adentrando nos seguros de carga aplicáveis, recomenda-se que além do RCTR-C e ao RC-DC, ambos agora obrigatórios, seja igualmente contratado o Seguro de Responsabilidade Civil e Ambiental (RC Ambiental). Embora não haja uma previsão legal específica a seu respeito, muitas empresas têm optado por adquirir esse tipo de seguro como parte de sua gestão de riscos e responsabilidade social.
 
É importante observar que os requisitos específicos de seguro e cobertura podem variar de acordo com o tipo de carga perigosa transportada e as regulamentações estabelecidas pelas autoridades competentes, sendo um diferencial o assessoramento por consultores especializados para encontrar a cobertura que se revele mais adequada, atendendo aos requisitos legais e protegendo devidamente suas operações.
 
Do mesmo modo, é aconselhável consultar a pertinência de regulamentações ou diretrizes adicionais fornecidas por agências reguladoras, como a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) ou a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), para garantir total conformidade com todas as regras e regulamentos aplicáveis relacionados ao transporte de cargas perigosas no Brasil.
 
 
4. Considerações Finais
 
É sabido que o Direito responde, evolutivamente, às mudanças sociais. Em um país de extensa malha rodoviária, responsável pela movimentação de grande parcela da economia, tem sido cada vez mais comum e previsível o fenômeno do roubo de cargas ― que culminou por se tornar um risco assumido na atividade de transporte. Tanto é que a cobertura securitária, antes facultativa em relação ao desapare-cimento de cargas, tornou-se, agora, obrigatória. O número grande de sinistros envolvendo terceiros também pode ter sido um fator a ter impulsionado a inclusão do Seguro de Responsabilidade Civil de Veículo (RC-V).
 
A assunção de um tom compulsório ao Plano de Gerenciamento de Risco também é um importante avanço ― em tom preventivo e não apenas ressar-citório como até então verificado.
 
Observa-se que as novas disposições introduzidas não apenas simbolizam um recrudescimento da cobertura securitária, como a majoração dos gastos na contratação. De qualquer modo, segue sendo essencial a conscientização de contratantes e transportadores de todos os liames de uma possível responsabilização, justamente com a finalidade de evitar processos judiciais, acidentes aos envolvidos e terceiros, bem como máculas ao nome da organização.
 
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