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Análise: STF declara inconstitucional trechos da Lei dos Caminhoneiros

Faça o checklist dos pontos mais sensíveis da legislação aplicável aos motoristas e ajudantes do transporte de cargas ― e os trechos da «Lei dos Caminhoneiros» recentemente declarados inconstitucionais pelo STF.

Por Graziela Luchetti e Julhi Bonespírito.


Legale, n. 866.
 
Desde o início da vigência da Lei n. 13.103, de 2015, conhecida como a «Lei dos Caminhoneiros», as empresas de transporte de cargas assumiram uma série de riscos legais ― bastante sensíveis ―, especialmente em relação a jornada de trabalho, tempos de descanso e segurança legal das relações de trabalho.
 
Vale considerar, embora a «Lei dos Caminhoneiros» tenha criado uma Seção dentro da CLT especialmente para o serviço do «Motorista Profissional Empregado», sua sanção sem vetos, em março de 2015, foi uma resposta às pressões dos motoristas autônomos em uma onda de protestos, cuja pauta não tinha como prioridade a saúde dos condutores (e, por conseguinte, a segurança nas estradas), muito menos a segurança jurídica das Transportadoras e empresas do Setor de Logística.
 
Coincidentemente, enquanto esta análise estava sendo preparada, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucionais vários trechos da «Lei dos Caminhoneiros» referentes a jornada de trabalho, pausas para descanso e repouso semanal (1). Em razão disso, organizamos nossa análise a partir dos pontos declarados inconstitucionais pelo STF, para que as empresas de transporte de cargas permaneçam atentas e minimizem seus passivos trabalhistas.
 

Para começar, um dos temas mais sensíveis para as empresas de transporte de cargas é justamente o intervalo fracionado dos períodos de descanso. Neste ponto, a Corte declarou a inconstitucionalidade do trecho da Lei 13.103 que permitia dividir o período de descanso apenas preservando o período mínimo de 8 horas consecutivas. Com a decisão do STF, o intervalo deve ser necessariamente de 11 horas ininterruptas, dentro das 24 horas de um dia de trabalho, restando proibido o seu fracionamento.
 
Segundo o argumento que orientou a decisão do STF, resumidamente, o tempo de descanso é indispensável à recuperação integral dos motoristas, de tal modo que deve assegurar e preservar, efetivamente, os níveis de concentração e cognição durante a condução dos veículos. Por esse motivo, os tempos de descanso não podem ser fracionados ou «estocados»: são necessários para responder às exigências diárias inadiáveis de recuperação e reparação da saúde. Nesse sentido, para não deixar dúvidas, repetimos: o descanso, dentro do período de 24 horas, deve ser de, no mínimo, 11 horas seguidas, sem absolutamente qualquer possibilidade de fracionamento.
 
Com base no mesmo raciocínio, também são considerados inconstitucionais os dispositivos legais que admitem flexibilizar a jornada diária, a fim de fazer coincidir o período de descanso com a parada obrigatória estabelecido pelo Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Segundo o CTB, contadas 5h30 de direção, o motorista deve descansar 30 minutos com o veículo estacionado em local seguro.
 
Quanto ao tempo de espera, o Plenário do STF também derrubou o ponto da Lei que excluía da jornada e do cômputo de horas extras, o tempo em que o motorista permanece esperando pela carga ou descarga do veículo nas dependências do embarcador ou do destinatário, incluindo o período gasto com a fiscalização da mercadoria. Dessa maneira, os tempos de espera para carregar e descarregar o caminhão e o período para fiscalizar a mercadoria em barreiras devem ser todos contados na jornada de trabalho e nas horas extras.
 
Para a Corte, a Lei n. 13.103, de 2015, descaracterizou o instituto do «tempo de espera» ao conceber uma modalidade de prestação de serviço no qual parte elementar da prestação não é computada na jornada diária. Segundo o STF, o motorista está à disposição do empregador durante o tempo de espera e a retribuição devida por força do contrato de trabalho não pode se dar na forma de uma indenização, por se tratar de tempo efetivo de serviço.
 
Antes, a Lei n. 13.103, previa que as horas do tempo de espera deviam ser pagas na proporção de 30% do salário-hora do motorista. Agora, com o posicionamento do STF, o tempo de espera passa a entrar na contagem da jornada ordinária de trabalho e, como jornada de trabalho, se for o caso, em horas extras. Para não restar dúvidas: somente estão excluídos da jornada os intervalos para refeição, repouso e descanso.
 
Outro ponto importante da decisão do STF diz respeito ao chamado «descanso em movimento», quando 2 motoristas se revezam na condução do veículo. Para a Corte, o revezamento não permite um descanso de qualidade. Segundo seu argumento, o descanso reparador solicita um nível de repouso que os veículos em movimento não possibilitam, que, muitas vezes, os veículos sequer possuem acomodação adequada, além do fato de que boa parte das estradas brasileiras estão em condições precárias. «Problemas de trepidação do veículo, buracos nas estradas, ausência de pavimentação nas rodovias, barulho do motor», são condições que prejudicam «a tranquilidade que o trabalhador necessitaria para um repouso completo». Portanto, ainda que 2 motoristas se revezem na condução do veículo no curso da viagem, é imperativo, para contar como descanso, que o caminhão esteja efetivamente estacionado.
 
Sobre a cumulação do descanso semanal remunerado nas viagens com duração superior a 7 dias (viagens longas), o repouso semanal deve ser de 24 horas por semana, sem o prejuízo do repouso diário de 11 horas, somando, nesse caso, 35 horas ininterruptas de descanso. Dizendo a mesma coisa de outra maneira, o motorista deverá usufruir de um descanso semanal de 35 horas a cada 6 dias de trabalho, não sendo possível acumular os períodos de descanso para usufruí-los no retorno à sua residência.
 
Além desses pontos, na mesma decisão, o STF declarou constitucional, pelo bem da saúde dos motoristas e segurança da população e dos empregadores, a realização de exames toxicológicos na admissão, na demissão e a cada 2 anos e meio de contrato de trabalho.
 
 
Controle da jornada diária, intervalo intrajornada e horas noturnas
Além da atenção necessária aos pontos da Lei 13.103, de 2015, que o STF declarou inconstitucionais, vale recordar e se atentar que:
 

(a) regra geral, a jornada diária de 8 horas deve ser respeitada, podendo ser prorrogada por mais duas horas. Somente em casos pontuais, e por exceção, há permissão de se estender o curso da viagem, considerando, por exemplo, a necessidade de chegar em local seguro.

(b) o controle da jornada pode ser feito de modo manual por meio de apontamentos do motorista e revisão pela empresa, mas aqui há o severo risco de falhas ou imprecisões. Para afastar a insegurança jurídica em tais expedientes, permite-se a utilização de aplicativos, executados em servidores dedicados ou em ambiente de nuvem com certificado de registro, de preferência com GPS, nos moldes da Portaria 671 do Ministério do Trabalho e Emprego, ou até mesmo por meio dos tacógrafos. Os controles de ponto são de suma importância não só para controlar as jornadas, mas para servir de prova em caso de ações trabalhistas.

(c) além da jornada de 8 horas, há também a obrigatoriedade de intervalos para descanso, alimentação e repouso dos profissionais, considerando que o intervalo intrajornada deve ser entre uma e duas horas em caso de jornada de trabalho acima das 6 horas diárias e, repetindo, com um período ininterrupto de interjornada de 11 horas a cada 24 horas trabalhadas.

(d) a hora noturna para os motoristas segue a mesma regra aplicada para os demais empregados, devendo ser contada reduzida, somando-se o respectivo adicional.

 
Condições de trabalho e insalubridade
 
As transportadoras devem garantir condições adequadas de trabalho para os motoristas, incluindo segurança, saúde e higiene no ambiente de trabalho, considerado esses os locais de espera, repouso e descanso tais como pontos de parada e apoio, alojamento, hotéis, refeitórios, postos de combustíveis e outros. O não cumprimento dessas exigências pode resultar em ações judiciais e imposição de multas, além de fiscalização do Ministério Público e do Ministério do Trabalho.
 
Por fim, a Norma Regulamentadora n. 15 do Ministério do Trabalho determinou que os motoristas estão sujeitos aos agentes insalubres, geralmente ruídos e vibrações, o que confere um adicional de insalubridade de 10 até 40%, conforme o grau de exposição. Em razão disso, Programas de Prevenção de Riscos bem elaborados e ações para elidir ou minimizar os riscos são bem-vindos para evitar passivos trabalhistas e autuações.
 

 
(1) Por meio do Plenário Virtual, o voto do relator, Ministro Alexandre de Moraes, foi seguido por outros 7 Ministros, formando maioria de 8 a 3. O posicionamento da Corte foi motivado por uma ação apresentada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Terrestres (CNTTT), protocolizada no mesmo ano em que a Lei 13.103, conhecida como a «Lei dos Caminhoneiros» (também se fala em «Lei dos Motoristas») foi publicada, em 2015.
 
 
 

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Vaz de Almeida

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