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Cláusula Moral nos contratos entre Marcas e pessoas públicas

Adidas vs Kanye West: Cláusula Moral permite Marcas e influenciadores rescindirem contratos em caso de escândalo.
 

Por Thiago Fernandes Pereira
com Mauricio Ortega Vieira.


Legale, n. 877.
 
A relação entre Marcas e pessoas públicas é algo em evidência em quaisquer canais de televisão, revistas, outdoors e redes sociais. Seja por meio de artistas, atletas, ou mesmo influenciadores digitais, as Marcas buscam vincular sua imagem a alguém que possui aprovação e interesse de determinados públicos.
 
Assim como uma maior facilidade em vincular as Marcas aos famosos, a atual era digital também trouxe um holofote à vida pessoal dos grandes engajadores de conteúdo, evidenciando tanto atitudes positivas quanto aquelas reprováveis ― e em relação a esta última a internet é implacável.
 
Como o comportamento do patrocinado reflete diretamente na percepção do público em relação à Marca, tem se tornado cada vez mais comum a inclusão de um mecanismo contratual conhecido como «Cláusula Moral».
 
Cláusula Moral
 
Nos contratos envolvendo pessoas públicas, a Cláusula Moral é o dispositivo que garante o direito de rescindir unilateralmente o contrato quando verificada uma conduta reprovável da outra parte e que possa trazer impactos negativos e prejuízos à parte inocente, podendo, inclusive, exercer medidas indenizatórias.
 
Tal mecanismo, no entanto, não se trata de uma novidade. Suas origens remontam ao nascimento de Hollywood como complexo cinematográfico, por volta de 1920, onde havia uma preocupação latente das grandes produtoras em se desvincular dos escândalos nos quais os artistas eventualmente poderiam se envolver.
 
No meio empresarial, as Cláusulas Morais (ou «Cláusulas de Moralidade») estão presentes principalmente nos contratos de patrocínio, patrocínio esportivo e licença de uso de imagem, bem como outros que envolvam pessoa pública.
 
Nestes contratos, a imagem e a reputação das partes contratantes são de enorme importância. O patrocínio, por exemplo, é o contrato por meio do qual se estabelece uma parceria remunerada para divulgação de produtos, vinculando o patrocinado à própria imagem do patrocinador.
 
A violação da Cláusula Moral, em razão de escândalos ou outras condutas reprováveis, impacta diretamente a parte inocente, em especial nos dias atuais, onde é possível cobrar o posicionamento da Marca ou do patrocinado por meio das redes sociais.
 
Posto isto, é importante ressaltar que é plenamente possível que esta cláusula possua efeitos bilaterais, a fim de resguardar as próprias pessoas públicas de condutas reprováveis das Marcas contratantes e ou de seus representantes.
 
Aplicação e casos emblemáticos
 
O gatilho para a invocação de violação é a conduta reprovável de uma parte. No entanto, a definição do que seria tal conduta e se ela é suficiente para gerar a rescisão do contrato pode gerar dúvidas e ser objeto de discussão.
 
Tais condutas geralmente estão ligadas à crimes e ilícitos penais, tais como atos de difamação, discriminação e preconceito de qualquer natureza, escândalos políticos, assédios morais ou sexuais ― ainda que não haja condenação judicial.
 
No entanto, a aplicação não se limita a ilícitos penais. Um caso bastante emblemático é o do golfista Tiger Woods, que após estar envolvido em escândalos sexuais envolvendo adultério, teve os contratos de patrocínio rescindido pelas empresas Gatorade, AT&T, Tag Heuer, entre outras.
 
O que importa para a invocação da violação é a conduta infringir os princípios de moralidade, ética e boa reputação.
Além do encerramento antecipado do contrato, é possível que haja a cobrança de multas contratuais e indenizações pelo descumprimento do contrato.
 
No ordenamento jurídico brasileiro, o Código Civil dispõe em seu artigo 389 que, não cumprida a obrigação, responde a parte inadimplente por perdas e danos.
 
Notável que, em relação à grandes empresas ou grandes personalidades, uma vinculação de imagem malsucedida pode acarretar vultuosos prejuízos financeiros. Seja em razão de danos morais (extensivo também às pessoas jurídicas), danos materiais, ou lucros cessantes, é defeso que a parte prejudicada acione judicialmente o infrator buscando recompor suas perdas.
 
Para ilustrar o caso, uma das maiores ― se não a maior ― quebras de contrato por violação de Cláusula Moral ocorreu entre a Marca Adidas e o artista Kanye West. A Marca encerrou a parceria com o cantor em 2022 por conta de suas manifestações antissemitas.
 
O que foi chamado pela própria Marca de «a parceria mais significativa já criada entre um não-atleta e uma Marca atlética» acabou se tornando um processo judicial, onde a Adidas buscou bloquear U$75 milhões detidos pela linha de West, a YEEZY. O pedido, no entanto, foi negado pela justiça, e as partes firmaram um acordo; porém, o caso segue gerando prejuízos à Adidas, que ainda possui um estoque milionário da linha.
 
Ademais, é válido ressaltar que parte da doutrina defende, ainda, a possibilidade de aplicação tácita da Cláusula Moral, ou seja, mesmo que ela não esteja expressamente prevista, é possível que ela seja invocada caso ocorra conduta reprovável e que impacte o escopo da contratação, tomando como base o artigo 478 do Código Civil, que trás o conceito de onerosidade excessiva como hipótese de resolução contratual, visto que ocorreria a perda da boa imagem do contratado, que é justamente o motivo da contratação.
 
No entanto, é recomendável a inclusão da cláusula em tais contratos, sendo de suma importância que ela esteja bem redigida e preveja tanto quanto possível os comportamentos que se enquadrariam como violadores e quais as consequências da infração, a fim de evitar lacunas e controvérsias na sua aplicação.
 
 
 

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