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Lei que regulamenta Criptoativos terá efetividade limitada

Legale n. 834 ― Lei 14.478, de 22 de dezembro de 2022, que pretende regulamentar o mercado de criptoativos porta um «defeito congênito» que não pode ser sanado; e mais: sem a segregação entre a custódia dos clientes e o capital das corretoras, o Marco Regulatório dos Criptoativos não prioriza a proteção dos investidores.

Por Paulo Reganin,
do Núcleo de Comunicação.

Foi publicado na penúltima quinta-feira do ano, dia 22, a Lei 14.478, que trata da regulamentação do mercado de criptoativos. Como o Presidente da República, Jair Bolsonaro, não se manifestou a respeito, ocorreu a chamada sanção presidencial tácita, sem a oposição de vetos.
 
A sanção tácita que converteu integralmente o Projeto de Lei 4.401 (2021) na Lei 14.478, entrará em vigor em pouco menos de 180 dias e constitui uma espécie de Marco Regulatório dos Criptoativos, uma vez que pretende estabelecer as diretrizes básicas da regulamentação das atividades das prestadoras de serviços especializadas em ativos virtuais, com base nos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência; das boas práticas de governança e da transparência; da proteção e defesa de consumidores e usuários; da proteção da poupança popular; e da prevenção à lavagem de dinheiro.
 
Caberá à gestão do próximo mandato no Executivo Federal a definição do ente regulador, necessariamente um órgão ou entidade da Administração Pública Federal com autoridade legal para disciplinar o funcionamento e a supervisão das prestadoras de serviços de ativos virtuais. [A expectativa é de que o Banco Central do Brasil desempenhe esse papel, mas também pode ser a Comissão de Valores Mobiliários (CVM)].
 
Nos termos da Lei n. 14.478, o «prestador de serviços de ativos virtuais» é a pessoa jurídica que executa, em nome de terceiros, pelo menos um dos seguintes serviços: (i) troca entre ativos virtuais e moeda nacional ou moeda estrangeira; (ii) troca entre um ou mais ativos virtuais; (iii) transferência de ativos virtuais; (iv) custódia ou administração de ativos virtuais ou de instrumentos que possibilitem controle sobre ativos virtuais ou (v) participação em serviços financeiros e prestação de serviços relacionados à oferta por um emissor ou à venda de ativos virtuais.
 
 
A essência dos
criptoativos
 
Embora a publicação do Marco Regulatório dos Criptoativos seja considerada por seus defensores um importante «avanço», ― muitos artigos já estão falando de seus benefícios ―, a Lei n. 14.478 carrega estruturalmente um «defeito congênito» que limita sua efetividade ao desprezar (ou subestimar) a essência dos criptoativos.
 
Quando surgiu o Bitcoin, um whitepaper atribuído ao seu idealizador, Satoshi Nakamoto (pseudônimo), foi publicado em defesa da iniciativa, declarando a essência do seu conceito, as razões de sua criação e as características de sua inteligência tecnológica:
 

Abstract. A purely peer-to-peer version of electronic cash would allow online payments to be sent directly from one party to another without going through a financial institution. Digital signatures provide part of the solution, but the main benefits are lost if a trusted third party is still required to prevent double-spending. We propose a solution to the double-spending problem using a peer-to-peer network. The network timestamps transactions by hashing them into an ongoing chain of hash-based proof-of-work, forming a record that cannot be changed without redoing the proof-of-work. The longest chain not only serves as proof of the sequence of events witnessed, but proof that it came from the largest pool of CPU power. As long as a majority of CPU power is controlled by nodes that are not cooperating to attack the network, they’ll generate the longest chain and outpace attackers. The network itself requires minimal structure. Messages are broadcast on a best effort basis, and nodes can leave and rejoin the network at will, accepting the longest proof-of-work chain as proof of what happened while they were gone.

 
Esclarecedor desde o título, ― «Bitcoin: A Peer-to-Peer Electronic Cash System» ―, o sistema digital de pagamentos peer-to-peer baseado em blockchain foi idealizado como um meio para preservar a liberdade e a privacidade das pessoas ante o poder centralizador do Estado e sua tensão contínua pelo controle das relações econômicas e financeiras, por meio do monopólio da moeda e por meio do controle centralizado do sistema financeiro.
 
Uma criptomoeda, na prática, é uma versão de dinheiro puramente ponto-a-ponto para pagamentos online, que não passa pelo controle de instituições financeiras ou governamentais e não se submete à intermediação de autoridades certificadoras, cujas transações são registradas por meio de uma cadeia digital contínua de prova que não pode ser modificada (blockchain), com a data e a hora de cada transação. Ainda que, para adquirir uma moeda digital, seja necessária uma espécie de «carteira digital», identificada por meio de um código numérico exclusivo, o protocolo que cria a tal «carteira» não identifica seu operador, uma garantia real de anonimato, de modo que se costuma dizer, as operações são feitas «entre carteiras» e não «entre pessoas».
 
É por isso que, rigorosamente falando, uma moeda digital não pode ser controlada.
 
Basta considerar que sua aquisição pode ser feita de maneira pessoal e privada, ou por meio de uma corretora estrangeira ― de maneira totalmente anônima ― fora do alcance dos controles do Estado brasileiro e com recursos provenientes de caixas paralelos ou de lavagem de dinheiro, ou como a parte não contabilizada de uma operação complexa de pagamento em troca de, absolutamente, qualquer coisa.
 
Mas, evidente, com todas as suas limitações, a Lei n. 14.478 é mais que necessária.
 
A esse respeito, entre várias outras aplicações, a Lei n. 14.478 estabeleceu dispositivos para (a) a criação de um novo tipo penal específico para fraudes utilizando ou relacionadas a ativos virtuais; (b) a equiparação das prestadoras de serviços de ativos virtuais às instituições financeiras, ― especificamente para os fins da Lei 7.492, de 1986, que dispõe sobre os crimes contra o Sistema Financeiro ―; (c) a inclusão das prestadoras de serviços de ativos virtuais no rol do artigo 9º da Lei 9.613, de 1998, que trata dos crimes de lavagem de dinheiro e outros crimes financeiros; e (d) a aplicação das disposições do Código de Defesa do Consumidor às operações conduzidas no mercado de ativos virtuais.
 
Uma característica importante do Marco Regulatório dos Criptoativos (Lei n. 14.478, de 2022) é o formato de sua redação, generalista e principiológico. Incompreendida por muitos interessados que esperavam mais detalhes, essa técnica de redação legislativa estabelece as principais diretrizes regulatórias e deixa para a regulamentação infralegal o detalhamento dos dispositivos de segurança necessários aos investidores do mercado de criptos. Essa estratégia regulatória faz todo sentido em se tratando de uma tecnologia em acelerada evolução e lembra, por exemplo, a estratégia regulatória adotada para a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais.
 
 
Lei das
Criptomoedas
ignora a importância
da segregação
patrimonial
 
Além da inevitável limitação da efetividade do Marco Regulatório dos Criptoativos como um esforço para regular a Criptoeconomia, o tema da segregação patrimonial é o tema mais sensível relacionado à regulação do mercado de criptoativos e, paradoxalmente, a grande ausência do texto levado à sanção e publicado no último dia 22 de dezembro.
 
Se não tivesse sido retirado do Projeto de Lei, a obrigação legal de segregação patrimonial consistiria, nesse contexto, em uma exigência para que as corretoras de criptomoedas com operações disponíveis aos investidores brasileiros separassem seus patrimônios dos patrimônios de seus investidores. Dizendo a mesma coisa de outra maneira, se constasse na Lei das Criptomoedas, o dispositivo legal da segregação patrimonial não permitiria que as corretoras dispusessem dos investimentos dos seus clientes para fins contábeis ou para suas operações privadas.
 
Foi justamente a ausência desse dispositivo de segurança e controle que desamparou os milhões de investidores da FTX, a segunda maior corretora de criptomoedas do mundo até o início de novembro deste ano (2022) e, apenas uma semana depois,
no maior colapso da história das criptomoedas.
 
Do ponto de vista da segurança jurídica dos investidores, a melhor expectativa é a de que o Banco Central do Brasil ― ou, se for o caso, a Comissão de Valores Mobiliários ― regulamente no nível das normas infralegais a segregação patrimonial, como o fez, por exemplo, o New York State Department of Financial Services, que definiu administrativamente padrões bem mais rigorosos do que a Lei 14.478 para emitir suas BitLicenses, o que nos permite dizer, no final das contas que, sem a segregação entre a custódia dos clientes e o capital das corretoras, o Marco Regulatório dos Criptoativos (Lei n. 14.478, de 2022) não prioriza a proteção dos investidores.
 
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Vaz de Almeida

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